Evangelho de São João

(Tradução do original espanhol, escrito por Luis Heriberto Rivas, Sacerdote da Arquidiocese de Buenos Aires, licenciado em Teologia pela Universidade Católica Argentina e em Sagradas Escrituras pela Comissão Bíblica do Vaticano)

domingo, 2 de dezembro de 2007

1 – Plano do Evangelho

Na primeira parte (capítulos 1 ao 12), repete-se com alguma insistência que ainda não tinha chegado a hora de Jesus (2, 4; 7, 30; 8, 20). O capítulo acaba quando se anuncia que esta hora chegou (12, 23-27).
A segunda parte (capítulos 13 ao 20), João descreve o que sucede nesta hora, como indica o prólogo (13, 1). A hora de Jesus é a passagem deste mundo para o Pai, onde se inclui a morte e ressurreição, que se trata da sua glorificação.
1ª Parte – revelação através de sinais, gestos simbólicos;
2ª Parte – Cristo sobe à cruz, manifestando a sua glória, passando deste mundo ao Pai.

2 – Características e Conteúdo

É um Evangelho para meditação contemplativa. Percebe-se pelos seus longos discursos, que são como longas reflexões ou meditações em torno da figura de Jesus.

3 – Simbolismo


É também um Evangelho onde se usa muitos simbolismos. Por exemplo, o “Ser erguido ao alto” (3, 14; 8, 28; 12, 32-34) tem um duplo significado: ser erguido ao alto na crucificação, que é o que a razão nos faz perceber, e o ser erguido ao alto na glória do Pai, que é o que a fé faz revelar na sua Paixão.
São João dá muita importância ao valor simbólico dos milagres de Jesus, os quais são denominados sinais, isto porque, de certa forma representam quem é Jesus: um Sinal de Deus. Por exemplo, quando multiplica os pães, o Senhor diz: “Eu sou o Pão da Vida…” (6, 35); quando dá vista ao cego de nascimento diz: “Eu sou a Luz do mundo…” (9, 5); quando ressuscita Lázaro diz: “Eu sou a Ressurreição e a Vida…” (11, 25). No caso das Bodas de Canã, associa figuras que aparecem nos textos dos profetas: As bodas de Deus com o seu povo (Osías 2, 16-25), o banquete escatológico com vinhos da melhor qualidade (Isaías 25, 6-9).
Quando se encontra um milagre no Evangelho de São João, deve-se sempre perguntar “Que significa?”. E a resposta é sempre a mesma: “Jesus”.

4 – Jesus: Palavra de Deus

O autor do Evangelho quer concentrar a atenção do leitor sobre Cristo, porque é Ele quem revela o Pai: (1, 14; 1, 18; 5, 37; 6, 46; 12, 45; 14, 9; 17, 4-6; 1ª João 4).
No começo do Evangelho, servindo-se de um hino, o evangelista apresenta Jesus como a “Palavra” de Deus (1, 1-18). Reúne tudo o que o Antigo Testamento e a tradição judia dizem sobre a Palavra de Deus: a Palavra actua na Criação, na Lei dada a Moisés, como mensagem dada aos Profetas e como Sabedoria que se sentou ao lado de Deus. No final dos tempos, esta Palavra fez-se carne e habitou entre os homens. Jesus Cristo é a Palavra pronunciada pelo próprio Deus e que expressa o que Deus é. Por essa razão, ver a Jesus, é ver o Pai (12, 45; 14, 9).

5 – Jesus, o Filho de Deus

O autor do Evangelho diz no epílogo que escreveu a sua obra “para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus…” (20, 31). Utiliza o nome de “Filho de Deus” num sentido forte: não é no sentido amplo, em que todo o ser humano é filho de Deus, mas sim, o Filho é igual ao Pai. Dí-lo claramente, quando se refere às razões que têm os inimigos para perseguir Jesus e condená-lo à morte: “fazia-se igual a Deus, chamando-o seu próprio Pai” (5, 18; 19, 7). Por esta igualdade, conhece-se o Pai contemplando a Jesus (12, 45; 14, 9); Jesus deve ser honrado como se honra o Pai (5, 23) e deve-se confessar que Jesus é Deus (20, 28).
Todo o Evangelho está orientado para a pessoa de Cristo, e através de Cristo, para o Pai. É esta a razão pela qual Jesus diz frequentemente: “Eu sou”. Às vezes essa expressão aparece sem um predicado. Jesus diz simplesmente: “Eu sou” (8, 24; 8, 28; 8, 58; 13, 19). Este é o nome que Deus revelou no Antigo Testamento: (Êxodo 3, 13-14). Jesus ao dizer “Eu sou”, apresenta-se como Deus e como revelador do Pai. Muitas vezes usa “Eu sou” com um predicado: “Eu sou o pão da vida…” (6, 35); “Eu sou a luz do mundo…” (9, 5); “Eu sou a ressurreição e a vida…” (11, 25). Estes “Eu sou” vão dando os distintos títulos que Jesus tem como Salvador, mas também como a própria Sabedoria de Deus, presente entre os homens. No Antigo Testamento é frequente que, tanto Deus, como a Sabedoria, se apresentem desta forma: (Isaías 45, 5…; Provérbios 8, 12…).

6 – A Vida Eterna

O homem que perante a revelação de Cristo, aceita-o e se abre a Ele, respondendo com a fé, é convidado a participar na vida eterna. Porque a fé é uma entrega total, é unir-se intimamente com Cristo, para começar a ser um só com Ele (15, 17), e desfrutar de tudo o que Ele tem como Filho de Deus.
A vida eterna é algo que pertence só a Deus (5, 26; 6, 57), é a vida que não conhece limites, é a realização plena de todas as possibilidades, é a vida que não conhece morte, que não conhece envelhecimento nem corrupção e que se encontra em Cristo (1, 4; 5, 26; 6, 57). Não é como a vida deste mundo, que é limitada em todas as formas. Aquele que se une a Cristo pela fé, começa a participar no início dessa vida que vem de Deus. Pode parecer paradoxal o que se afirma no relato da ressurreição de Lázaro (11, 25-26). É como estar vivendo duas vidas ao mesmo tempo: uma que vai terminar e outra que não terminará nunca: “Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá.” A morte física não tem importância, porque Cristo anuncia a vida eterna que se pode ter desde o momento presente. Agora a morte em pecado tem importância, porque é a única que impede o acesso à vida eterna, ao separar o homem de Deus.
Desde o momento em que a vida eterna não é só uma promessa para o futuro, mas uma realidade, o crente deve passar por um novo nascimento para chegar a essa vida: “nascer do Alto” (3, 3); “nascer da água e do Espírito” (3, 5-8). A vida eterna alcança-se pela fé em Jesus como Filho de Deus. Por essa razão, o autor do Evangelho apresenta Jesus como o alimento que produz essa vida que vem de Deus. Jesus é pão para todo aquele que crê: “o pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo…Eu sou o pão da vida…” (6, 33-35). É também pão para todo aquele que come a sua carne e bebe o seu sangue na Eucaristia: “o pão que eu darei é a minha carne, pela vida do mundo…Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna…” (6, 51-54).

7 – Liturgia

O Evangelho de São João é um Evangelho litúrgico. O autor demonstra que está muito familiarizado com a liturgia do templo de Jerusalém, e narra os factos da vida de Jesus enumerando-os nas suas celebrações (2, 13; 5, 1; 6, 4; 7, 2.14.37; 10, 22; 11, 55; 12, 1; 13, 1; 19, 14.31), para mostrar que Jesus é realmente aquele que se celebra na liturgia.
O Evangelho culmina com a celebração da Páscoa (11, 55; 12, 1; 13, 1; 19, 14.31). No Antigo Testamento, a Páscoa é a “passagem do Senhor” (Êxodo 12, 11-12), e no Evangelho de João é a “passagem de Jesus deste mundo para o Pai” (13, 1). Enquanto que nos outros Evangelhos, a Páscoa coincide com a última ceia do Senhor (Mateus 26, 7; Marcos 14, 12; Lucas 22, 7.15), no Evangelho de São João Jesus morre na véspera da Páscoa. Os sacerdotes não entram na casa de Pilatos para não se contaminarem, porque a seguir têm de participar na celebração da Páscoa (19, 14) e quando Jesus morreu na cruz repete-se o mesmo (19, 31). No decorrer do relato, indica-se que no lugar da crucificação havia um ramo de hissopo (19, 29) e que o Senhor já morto, foi ferido no peito, de onde saiu sangue e água (19, 34).
João escrevia para pessoas que conheciam muito bem como eram as cerimónias no templo de Jerusalém: na véspera da Páscoa, à tarde, sacrificavam-se os cordeiros que se deviam comer na ceia pascal (12, 6). Os cordeiros sacrificados eram golpeados para que corresse todo o sangue (já que os judeus não podem comer carne com sangue) e o sumo-sacerdote abria-lhes as costelas com uma faca para que saísse o resto do sangue. A seguir, com uma rama de hissopo devia-se fazer uma aspersão nas casas dos judeus (12, 22). O relato da crucificação culmina com estas palavras: “Isto aconteceu para que se cumprisse a escritura que diz: «Não lhe será quebrado nenhum osso»” (19, 36). A escritura que aqui se cita, é uma norma que dá Moisés, no Antigo Testamento, sobre a forma de sacrificar e comer o cordeiro pascal (Êxodo 12, 46). João descreve a morte de Jesus à mesma hora e com os mesmos rituais com que era sacrificado o cordeiro pascal.
Na cena da expulsão dos vendedores do templo, no começo da vida pública de Jesus, há um diálogo com os sacerdotes. Perante a atitude de Jesus, eles perguntam: “Que sinal nos dás para fazer isto”, e Jesus responde: “Destruí este templo, e em três dias Eu o tornarei a levantar”. João comenta que Jesus “se referia ao templo do seu corpo” (2, 13-22). O templo de pedra era uma figura do verdadeiro templo (de Deus) que é Cristo. No dia em que se celebrava a consagração do templo (10, 22), Jesus proclamou que era Ele que tinha sido consagrado e enviado pelo Pai (10, 36).
Os leitores judeus do Evangelho de João, em finais do século I, podiam ter saudades do templo de Jerusalém, com a sua liturgia, as suas grandes cerimónias, os seus sacrifícios com animais. O templo e tudo o restante desapareceu no ano 70, quando os romanos destruíram Jerusalém. Por outro lado, o cristianismo não necessitava desse templo nem dessa liturgia. João responde-lhes que não há razões para ter saudades, porque tudo aquilo era figura de uma realidade que é Cristo: Cristo mesmo é o templo, o cordeiro pascal, o sacrifício, o sacerdote e também é o Caminho, isto é, a Lei que leva a Deus. Tendo chegado a realidade, não se deve ficar com saudades das figuras que a precederam.

8 – A Mística

Outra característica do Evangelho de João é o Misticismo. No tempo presente já se desfruta dos bens que se consideram futuros, as realidades “celestiais” que se esperam receber e desfrutar na bem-aventurança: a contemplação de Deus, o dom do Espírito, a vida eterna, a alegria perfeita, a paz…
Os outros Evangelhos acentuam o tema da fé, como adesão a Jesus, que se manifesta no acompanhar Jesus no sofrimento, na conversão de cada dia, na perseverança da vida cristã com a promessa dos bens eternos. O Evangelho de João destaca outro aspecto: os bens futuros constituem uma realidade que já acontece no presente. Em distintas partes deste Evangelho, diz-se que todos estes bens já são possuídos actualmente por aquele que tem fé: “Aquele que crê em mim já tem a vida eterna” (3, 36); “Aquele que come o meu corpo e bebe o meu sangue tem já a vida eterna” (6, 54). Os crentes já desfrutam antecipadamente da visão de Deus (12, 45; 14, 8-9) e a Trindade habita nos discípulos (14, 17.23). No discurso da última ceia, o Senhor anuncia que dá aos seus discípulos o Espírito Santo (14, 16-17.26; 15, 26; 16, 7-15), a alegria perfeita (15, 11; 16, 20.22.24) e a paz que não pode dar o mundo (14, 27; 16, 33).
Todos estes dons futuros, antecipados no presente, estão relacionados com a Páscoa de Jesus. O Senhor tinha anunciado de maneira enigmática: “Como diz a Escritura ‘hão-de correr do seu coração rios de água viva’. Ora Ele disse isto, referindo-se ao Espírito que iam receber os que nele acreditassem; com efeito, ainda não tinham o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado” (7, 38-39). No momento da sua morte, o Senhor “entregou o Espírito” (19, 30), e como sinal visível dessa doação, do seu peito saiu água (19, 34). Ao aparecer ressuscitado aos discípulos, deu-lhes a paz (20, 19.21), os discípulos encheram-se de alegria (v.20) porque o viram (v.20), e Ele entregou-lhes o Espírito Santo (v.22).

9 – Escatologia

A mística está muito relacionada com o que se refere a escatologia.
Por escatologia, entende-se o discurso sobre questões últimas (em grego “ésjaton”= o último, o que está no fim). Estas coisas últimas são: o juízo, a vida eterna e a condenação, a ressurreição. Todos os autores do Novo Testamento falam destas coisas no futuro. É uma característica de João falar delas como já realizadas no presente. Já se disse que a vida eterna aparece no Evangelho de João como um bem que se possui no presente. Mas também o Juízo é apresentado com actual. No mesmo momento em que Jesus se revela ao ser humano, produz-se o Juízo segundo se opte por Ele, ou se O rejeite. Daí em diante já se está participando da vida eterna ou da condenação: “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. […] Quem crê no Filho tem a vida eterna; quem se nega a crer no Filho não verá a vida, mas sobre ele pesa a ira de Deus” (3, 18-19.36).
A ressurreição consiste em passar da actual condição de morte à vida, e está também relacionado com a fé: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida…chega a hora – e é já – em que os mortos hão-de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão…” (5, 24-25.28-29).
João fala de um só pecado, que é aquele de recusar Cristo, não o reconhecendo como aquele que revela o Pai. E este pecado é o que leva à morte (8, 24), assim como, pelo contrário, a fé é o que nos leva à vida.
Na 1ª carta de João, dá-se maior precisão a estas questões. Alguns poderiam pensar que os cristãos já teriam chegado à perfeição e que não faltaria nada para esperar no futuro. A carta responde que é verdade, que já são filhos de Deus e que possuem todos estes bens, mas esta condição de filhos de Deus ainda não se manifestou plenamente (1ª João 3, 1-2). Até que isso aconteça, é preciso continuar a purificar-se (1ª João 3, 3). É verdade que a fé leva à vida eterna, mas é também necessário cumprir os mandamentos, em particular o do amor ao próximo (1ª João 2, 3-11).
Podemos assim chamar ao Evangelho de João um Evangelho místico, porque os bens celestiais são anunciados como parte do presente. Tudo o que é de Deus está em Cristo (3, 35; 5, 26; 16, 15; 17, 2) e Cristo comunica-o a todos aqueles que crêem Nele.

10 – Mandamento Novo

No Evangelho de São João, Jesus diz: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei” (13, 34; 15, 12). O mandamento do Antigo Testamento dizia “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Levítico 19, 18). O mandamento transmitido por Moisés tinha dimensão humana (“como a ti mesmo”), porque se devia amar ao próximo, querendo para ele o mesmo que cada um queria para si mesmo. Agora, o mandamento novo, diz que tem de se amar o próximo com a mesma medida que ama Cristo (“como Eu vos amei”). Podia-se dizer que isto é impossível como mandamento: não se pode impor a ninguém que ame como ama Cristo, porque isto supera todas as possibilidades humanas. No entanto, pode-se entender correctamente dentro da mística de São João: no Evangelho diz-se que Jesus recebeu também um mandamento do Pai, aquele de dar a vida pelos homens (10, 17-18; 15, 10). Este mandamento é a vontade do Pai que quer salvar todos os homens, e é aceite e cumprida por Cristo, já que a sua vontade humana está em perfeita harmonia com a divina. Ele agora faz participantes desta vontade a todos os crentes, (“permanecei no meu amor”) para que também possam amar com amor divino (15, 9-10). Não se trata de um esforço humano para ver quem pode amar mais, mas sim de uma doação gratuita de Deus, que dá aos seres humanos a possibilidade de amar com amor que vem do próprio Deus. Por isso se diz que o mandamento novo se “dá” (“Eu Dou-vos”).

11 – Paráclito

Em alguns textos do Evangelho de São João, o Espírito Santo é chamado com um nome pouco comum: “Paráclito”. Etimologicamente, esta palavra significa: “Aquele que é chamado para que esteja ao lado”, para que o ajude e o sustenha. No mundo forense, vem a ser como o advogado, que é chamado para que prepare as defesas. No entanto, na obra de João, esta palavra tem sentidos que vão muito além do sentido natural e forense. Por esta razão, opta-se por não traduzi-la e deixa-se em grego.
Na 1ª Carta, São João diz que “temos um Paráclito junto ao Pai: Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2, 1). Aparentemente podia-se traduzir por advogado ou defensor (como aparece traduzido em muitas bíblias), porque se trata da função que Jesus deve desempenhar diante do Pai durante o julgamento dos homens. Contudo, o texto continua dizendo que Ele cumpre esta função oferecendo-se como “vítima expiatória dos nossos pecados” (1ª João 2, 2). Oferecer-se como vítima não é próprio do advogado ou defensor. Também neste caso, é preferível deixá-lo em grego: Paráclito.
Na última ceia, Jesus fala “de outro Paráclito” que é o Espírito Santo. Ao anunciar a sua partida, o Senhor promete que os discípulos não ficarão órfãos (João 14, 18). O Espírito virá como Paráclito para estar junto aos discípulos (14, 16- 17), e manter vivos os ensinamentos de Jesus (14, 26). Quando os discípulos terão de enfrentar as perseguições, o Paráclito estará com eles dando testemunho (15, 26-27), e apresentando ao mundo as provas de que está em pecado ao opor-se a Jesus (16, 7-11). Finalmente, o Espírito Santo será Paráclito, porque estará junto aos discípulos cumprindo funções de mestre, actualizando constantemente as palavras de Jesus, fazendo-os recordar e viver em cada momento, o significado exacto dessas palavras para as distintas circunstâncias da vida da Igreja. (14, 26; 16, 13).

12 – A Mãe do Senhor

A vida pública de Jesus está enquadrada por duas passagens em que aparece a sua Mãe: nas Bodas de Canã (2, 1-11) e na morte do Senhor (19, 27-27). Tirando estas passagens, Maria não é mais mencionada no Evangelho. São João não a chama pelo seu nome, mas sim pelo título “Mãe de Jesus”. E quando o Senhor se dirige a ela, fá-lo chamando-a de “Mulher”.
Na primeira destas passagens (Bodas de Canã), Maria intervêm perante a falta de vinho, e Jesus responde-lhe com uma frase que é uma espécie de rejeição: “Que existe entre ti e Eu”, isto porque ainda não tinha chegado “a Hora” (2, 4). Como nos outros diálogos do Evangelho de São João, Jesus responde falando dos bens celestiais quando os interlocutores se referem a realidades terrenas. Maria referiu-se ao vinho que faltava na festa, e Jesus responde negativamente fazendo alusão à sua “Hora”, o momento de passar deste mundo ao Pai. Refere-se então ao vinho do banquete dos tempos messiânicos, das bodas anunciadas pelos profetas. É evidente que nas Bodas de Canã ainda não existe desse vinho. Mas Jesus, como “sinal”, transforma o vinho de Canã; mesmo João diz-nos no final do relato que isto foi um “sinal” (2, 11).
Maria desaparece do Evangelho durante toda a vida pública de Jesus, para reaparecer ao chegar da “Hora”. Nas Bodas de Canã , ela quis intervir quando ainda não tinha chegado a “Hora”, mas quando chega a “Hora” e Jesus está na cruz, Maria está presente e é chamada por Jesus. Como em Canã, também a chama de “Mulher” e diz-lhe para ser “Mãe” do discípulo, que está também, como ela, junto à cruz. Maria adquire um valor simbólico, porque nesse momento passa a ser a Mãe dos discípulos de Cristo, e é o mesmo que dizer que passa a ser figura e Mãe da Igreja. Chama-a de “Mulher”, e esta palavra recorda a primeira mulher do começo da Génesis: “Eva, mãe de todos os vivos” (Génesis 3, 20). Agora que começa uma nova criação, existe uma nova “Mulher” que é a mãe de todos os vivos.

13 – O Discípulo Amado

O autor do Evangelho diz que recebeu do “discípulo amado” a tradição que foi transmitida no seu livro (21, 24).
Quis-se identificar este discípulo anónimo com o Apóstolo João, mas no Evangelho nunca é revelado o seu nome e somente se diz que era o “discípulo que Jesus amava”.
Já foi dito que este “discípulo” seria um discípulo de Jerusalém que não pertencia ao grupo dos Doze. Pelo efeito e admiração com que a comunidade recordava aquele que lhes tinha transmitido esta tradição, o evangelista expressou a sua veneração, chamando-o com o nome de “discípulo amado por Jesus”. Mais importante que saber o seu nome, é investigar o que representa este discípulo. O discípulo amado de Jesus aparece quatro vezes na segunda parte do Evangelho. Durante a última ceia, quando Jesus começa a falar da traição de Judas, os discípulos não entendem bem do que se trata. O discípulo “amado” está sentado junto a Jesus, e Pedro dá-lhe sinal para que lhe pergunte de quem se trata. O discípulo amado encosta-se sobre o peito de Jesus e pergunta-lhe: “Quem é?”, e Jesus responde-lhe (13, 26). A expressão “encostar-se sobre o peito” é usado como para indicar que se goza da familiaridade e das confidências de alguém, assim como se diz também “estar no seio” (João 1, 18; Lucas 16, 23). Jesus é aquele que tem toda a intimidade com o Pai e é o único que O conhece e pode falar Dele (João 1, 18; 6, 46; 7, 29). Esta relação existente entre Cristo e o Pai, reproduz-se agora entre Cristo e o discípulo: aquele que possui as condições de discípulo amado de Jesus é aquele que “se encosta ao peito do Senhor” e recebe as suas confidências, sentado junto a Ele na mesa, para poder comunicá-las aos restantes.
Numa segunda passagem, o discípulo amado aparece junto à cruz, quando Jesus já está crucificado. Também se encontra a Mãe de Jesus e o discípulo recebe-a nesse momento como mãe própria (19, 25-27). Já se explicou que nesta passagem, Maria aparece como figura da Igreja. Aquele que é o “discípulo amado de Jesus” tem Maria como Mãe, imagem da Igreja que é também mãe dos discípulos de Jesus.
A terceira cena tem lugar do Domingo de Páscoa: Maria Madalena vai de manhã ao sepulcro de Jesus e, ao encontrá-lo vazio, pensa que roubaram o corpo. A seguir, vai a correr informar Pedro e ao discípulo amado, aquilo que aconteceu. São João diz-nos que estes também foram a correr para o túmulo de Jesus e, ao entrarem, viram as ligaduras no chão, mas o sudário que cobria a sua cabeça, estava num sítio separado. O discípulo amado de Jesus “viu e acreditou” (20, 1-10). Aquele que é o discípulo amado de Jesus encontra-se junto a Pedro, a quem respeita (20, 4-8) e tem fé na ressurreição do Senhor.
No capítulo 21, que é como um apêndice do Evangelho, aparece novamente o discípulo amado. Quando Jesus ressuscitado aparece aos seus discípulos, que estão num barco pescando no lago, o discípulo amado reconhece Jesus que está na margem (21, 7). Um pouco mais tarde, quando Jesus anuncia a Pedro que será ele o pastor das suas ovelhas, e que terá de morrer como mártir, há uma segunda menção: Pedro pergunta o que acontecerá com o discípulo amado. Jesus responde-lhe “se Eu quiser que ele fique até Eu voltar, que tens tu com isso? (21, 20-23). Assim: Pedro é chamado para ser pastor e mártir, enquanto que o discípulo deve permanecer, isto é perseverar, até que Jesus volte.
O discípulo amado do Senhor é aquele que O sabe reconhecer como presente, depois da sua ressurreição e persevera todos os dias até ao Seu regresso. Desta forma, tem uma vocação diferente da de Pedro: não é mártir, nem pastor das ovelhas, mas sim discípulo que persevera até à volta dos Senhor.
Pode-se ver que através desta imagem do discípulo amado de Jesus, São João descreve o cristão ideal. O evangelista considerava como modelo, o discípulo de Jesus que evangelizou a comunidade à qual ele pertencia. Por isso, elaborou a sua imagem para que servisse de modelo a todos os leitores da sua obra, porque todos os cristãos são chamados a ser “discípulos amados de Jesus” (14, 21; 15, 9-10).

14 – Outros Personagens

No Evangelho de São João, o Senhor aparece enfrentando constantemente um grupo a que João denomina invariavelmente como “os judeus”. Com este nome, apresenta todos aqueles que se opõem sistematicamente a Jesus e que o levam à morte. Não se trata de todo o povo judeu, mas sim daqueles que se encontram cegos e fechados à fé.
Estes textos, mal interpretados, poderiam fornecer atitudes menos próprias da parte dos cristãos. Por essa razão, algumas normas da Igreja aconselham que, ao expor estes textos ao povo cristão, a expressão “os judeus” do Evangelho de São João, seja explicada como “os inimigos de Jesus” ou outra equivalente. Desta forma entender-se-á correctamente o que São João quer dizer.
Em sentido favorável, aparece Nicodemos (3, 1). Nesta personagem, João pretende resumir todos os judeus eruditos que conhecem profundamente a Lei. A Samaritana, por sua vez, representa todos os pagãos: é acusada de adultério pelo Senhor (4, 17-18), assim como os profetas acusavam do mesmo pecado o povo de Israel quando abandonava o único Deus para ir atrás de deuses falsos. Ela chega à fé como muitos pagãos da época do evangelista.

15 – Conclusão

“Muitos outros sinais miraculosos realizou ainda Jesus, na presença dos seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e, acreditando, terdes a vida eterna” (João 20, 30-31).
Recorrendo aos símbolos, à liturgia judaica e aos sacramentos cristãos, São João mostrou aos leitores quem é Jesus: o Messias, Filho de Deus. É o único dos evangelistas que diz abertamente que Jesus é único com o Pai e que é Deus. Também é o único dos evangelistas que fez ver que a fé, une intimamente o crente com Cristo e com o Pai, e que esta união permite usufruir já, desde agora, da presença do Espírito Santo, que ao mesmo tempo, leva à vida eterna.
Mas principalmente, o evangelista deu a conhecer o Pai. O Deus que ninguém jamais viu, fez-se ver na humanidade do seu Filho, Jesus Cristo.